Projeto “assina”, de Cícero Inácio da Silva, questiona a autoria e celebra o intérprete

Refletindo sobre as mudanças da lógica autoral no ciberespaço, Cícero Inácio da Silva investiga os rastros dos autores que utilizam textos, a partir de buscas na internet, rastreando os usos que os leitores fizeram desses textos colados, falsificados, assim como alterados e rompidos.“Assina: do texto ao contexto” (2003) tem como ponto central discutir a questão da autoria na internet, do ponto de vista da credibilidade dos textos e também do autor-produtor de conhecimento textual digital. Preocupa-se com a visão do receptor, que tem, a partir da rede mundial de computadores, uma infinidade de relações textuais apresentadas a partir dos bilhões de sites depositados na rede. Abaixo segue o parecer por Giselle Beiguelman sobre o projeto ASSINA, o texto é meio longo mas resolvi “colá-lo” aqui invés de disponibilizar apenas o link pois assim pude marcar/destacar as partes mais relevantes:

“Na contramão dessa tendência, Cícero Inácio da Silva vem criando confusão nos meios acadêmicos com o seu projeto de doutorado “assina: do texto ao contexto”, que investiga regimes de autenticidade e autenticação, questionando nome próprio, assinatura, texto, legibilidade e reconhecimento.

O ponto de partida de sua pesquisa é uma interrogação simples, porém ousada: “Tendo em vista que posso depositar na rede textos, imagens, vídeos, sons e tudo mais, sem ter ‘crivo’ algum que me autentique, pergunto: quem irá fazer o papel de cartório nas redes e nos novos meios de arquivamento?”.

A investigação é feita a partir de uma experiência na própria internet que dissemina vários sites fictícios, entre revistas “científicas” eletrônicas, institutos de pesquisa e textos aleatórios.

Nesses sites, apresenta textos gerados eletronicamente e “assinados” pelos algoritmos que foram “batizados” (e aqui não é fortuito o uso dessa palavra) com nomes de “autores” reconhecidos. “Afinal, por que não posso batizar um algoritmo de Platão?”, pergunta ironicamente Cícero.

Esses textos assinados pelos algoritmos criados para o projeto servem, assim, para questionar se o próprio “nome” não está se tornando uma “marca” sem referência nas redes. E essa hipótese é testada de maneira provocativa.

Cícero publicou os mesmos textos com e sem a assinatura de pessoas famosas em diferentes sites. Até agora os textos mais citados são os assinados por algoritmos homônimos de pessoas reconhecidas intelectualmente, como os do algoritmo “Gilles Deleuze”. Os mesmo textos assinados pelo algoritmo “João” não tiveram a mesma sorte...

O projeto “assina” conta com mais de 50 URLs (endereços de sites), desdobradas e disseminadas em vários sites de hospedagem gratuitos. Em número de autores isso significa que já devem ter sido criados uns 20 institutos de pesquisa falsos, como http://personales.ciudad.com.ar/horkheimer/ e http://membres.lycos.fr/semiologiesemiotique/, entre muitos outros.

O recordista, em termos de acesso e em número de páginas gravadas pelos usuários, é o Instituto Gilles Deleuze. Os textos, no entanto, não fazem sentido algum. São gerados computacionalmente em português e depois convertidos por tradutores eletrônicos gratuitos da internet (como o Babelfish do Altavista) para o espanhol, o que supostamente lhes dá mais credibilidade.

“Já localizei três citações dos textos do Instituto Gilles Deleuze e, em duas delas, os autores são pesquisadores brasileiros de mestrado que utilizam o texto em espanhol, convertendo-o para o português novamente, criando um efeito interessante “, contou Cícero.


Os acessos são medidos por meio de um programa de estatísticas e as citações dos textos são medidas através de um algoritmo que roda na internet, fazendo buscas nos sites mais acessados (Google, Yahoo, Altavista, Hotbot, Lycos) de pedaços dos textos gerados.

Entre as revistas “científicas e acadêmicas” editadas por Cícero no “assina”, destacam-se a “Plato on-line: Nothing, Science and Technology” e a “Semiologie Sémiotique - magasin scientifique” que são as mais acessadas, provavelmente porque seus nomes têm uma “origem”...

“Plato” publica somente textos gerados por sistemas e algoritmos computacionais e não aceita contribuições pessoais, a não ser que o “autor” (sujeito) permita que Cícero aplique sobre seus textos os algoritmos de escritura criados por ele, alterando e modificando o texto totalmente.

Já a “Semiologie Sémiotique” é uma publicação-provocação no seu próprio título, pois semiologia e semiótica constituem campos disciplinares tão próximos como internet e fogão a lenha, mas, espantosamente, recebe textos de colaboradores prontos a publicar seus rigorosos textos em uma publicação chancelada pela estampa do ISSN.

Outro dado interessante do projeto é a relação que os leitores mantém com o editor das revistas científicas, corroborando a hipótese de que a relação nome/assinatura/instituição se sobrepõe à própria noção de autoria e formulação de critérios de legibilidade.

Elucidadora, nesse sentido, é a correspondência eletrônica de Cícero, o “editor”, com as pessoas que enviam artigos e pedem informações sobre o periódico. Ele responde escrevendo em português e, depois, convertendo para o inglês, usando o mesmo método que utiliza na produção dos tais artigos científicos.

Pasme. Cícero se comunica assim com cerca de dez pessoas, todas relacionadas ao meio acadêmico e científico, sem receber qualquer tipo de reclamação pelo nonsense de suas respostas.”


Disponível na integra em:
http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/2491,1.shl
http://www.alb.com.br/anais14/Sem06/C06015.doc


(Giselle Beiguelman é professora do curso de pós-graduação em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Autora de "A República de Hemingway" (Perspectiva), entre outros. Desde 1998 tem um estúdio de criação digital (desvirtual - www.desvirtual.com) onde são desenvolvidos seus projetos, como "O Livro Depois do Livro", "Content=No Cache" e "Wopart". É editora da seção "Novo Mundo", de Trópico.)

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